segunda-feira, outubro 17, 2005

O modo de vida Rebozo - por Barbara Wishingrad

O modo de vida REBOZO
por Barbara Wishingrad


Em 1983, vendi quase todos os meus bens e entrei no autocarro a caminho do México e de uma nova vida – sentei-me ao lado dum velho amigo e novo amor, o homem que eu escolhi para ser pai dos meus filhos, e carregámos connosco os sonhos de esperança e determinação de fazer o bem, que leva muitos de nós a ser pais - verdadeiro acto de fé no futuro da humanidade.
A noção vaga de que queríamos poupar-nos e ás nossas crianças das neuroses da civilização e um desejo de observar e participar numa cultura onde os braços da mãe são o lugar certo para uma criança eram razões suficientes para fazermos esta mudança.
Quando o meu primeiro filho, Van, nasceu, em Maio de 1985, já tinha praticado com uma série de rebozos tradicionais (Xailes mexicanos usados por mães e meninas de todas as idades, para aquecimento ou protecção do sol forte, durante cerimonias ou para carregar qualquer coisa que seja necessário, mercadorias, bebés pequenos ou crianças), e depressa encontrei uma maneira de segurar o meu filho perto de mim enquanto tinha as mãos livres… Sendo ricos em espírito, parcos em bens materiais, e ciganos por escolha e negócio (comprando e vendendo pedras e têxteis, e a nossa própria joalharia), entramos em contacto diário com os indígenas do México. Assim, descobrimos em primeira mão as suas crenças e práticas sobre bebés e vida familiar.
Fiquei deliciada por descobrir que valorizavam os tradicionais “quarenta dias” de repouso pós parto como o tempo para as mães e bebés ficarem em casa, muitas vezes na cama, com muito tempo para “se apaixonarem” para se conhecerem, as necessidades e os ritmos, e para recuperar do esforço físico de dar à luz. Quando levei o Van para se registar, dezasseis dias após o seu nascimento, os vizinhos avisaram-nos para não deixar terceiros olharem para o seu rosto, para que não fosse afectado pelo olhar do mal.
Enquanto ele crescia, e quando viajávamos em camionetas através do país, fui atingida pelo amor e pela aceitação que tem por bebés. Em cada lugar mulheres, raparigas e até homens pediam para pegar e brincar com o bebé, e cumprimentavam-no directamente (e a mim) quando nos cruzávamos. O bebé não era um aborrecimento ou uma peste cujo lugar era num quarto silencioso, longe da sociedade. De facto, crianças de todas as idades acompanham os pais nos seus negócios, recados e no seu trabalho, por vezes – pela necessidade, talvez, mas também por amor. A aceitação é genuína e inocente, assim evitando o receio dos estranhos e dos raptos tão focados nos Estados Unidos, e permitindo a norma, por exemplo, de crianças de todas as idades esperando em filas com os pais, onde são distraídos por adultos caso mostrem sinais de impaciência ao invés de serem olhados fixamente e assim incitados a ser ainda mais inquietos.
O material de bebé, basicamente considerado necessidade no nosso vizinho do norte, é somente usado pelos que anseiam ser americanizados. Tradicionalmente, os bebés dormem na mesma cama que a mãe (ou ambos os pais, podem dormir numa rede que o meus pequenos adoram) e são segurados nos braços da mãe ou rebozo, ou por outro familiar querido, e não distanciados num assento de plástico, balouço ou deixados deitados num berço.
Os assentos para automóvel não são necessários, e os bebés podem ser levados nos braços dos pais, mesmo em carros privados. Quando em longas viagens com o meu segundo filho, Gaby, por vezes levava-o ao colo, amamentando “a pedido”, o que considero uma opção segura e amorosa. Os mais pequenos podem também dormir deitados no fundo do carro, num lugar seguro, sem estarem empoleirados ou caírem das suas faixas. Desta forma, estão protegidos na sua posição horizontal e no seu estado de relaxamento e bem-estar físico.
Apesar de no geral, haver menos carros, especialmente no meio da população indígena. Caminhar é o meio mais comum de transporte, e as pessoas não tem receio de carregar fardos pesados, tendo passado a vida toda a levantar coisas e a fazer trabalho físico pesado, no povo comum do México não se assume que se vão magoar por estar constantemente a carregar algo e até ficam mais fortes por isso. Também, a necessidade de carregar fardos pesados, para além das carregadas em burros e outros animais de carga, facilitam uma espécie de cooperação especial, especialmente entre membros duma mesma família. Uma coisa comum aqui perto dos mercados abertos é ver um par de adultos ou adolescentes, de ambos os sexos, cada um segurando com uma mão um saco de plástico entre os dois, carregadíssimo, andando lado a lado em perfeita harmonia, para qualquer lado que chamem casa.
Outra visão que ainda consegue maravilhar-me é ver rapazes adolescentes a andar de braço dado com as suas avós pela rua afora. Embora apreciem a companhia dos seus amigos, não se envergonham das suas relações familiares nesta idade, e as crianças normalmente vivem com os pais até estarem casados, e muitas vezes a seguir também. Afecto físico entre os membros duma família e amigos é normal, para qualquer idade ou sexo, e dois rapazes, ou uma rapariga adolescente com a sua mãe podem caminhar de mãos dadas como nós só fazemos com namorados ou crianças pequenas na nossa cultura. Raparigas em idade escolar e até homens feitos caminham abraçando-se mutuamente. Sou feliz por ver os meus filhos, agora sete e nove, poderem espontaneamente mostrar as suas emoções aqueles de quem gostam, mesmo se do mesmo sexo.
Nesta sociedade, cumprimentos apropriados e cortesia são muito importantes, e as crianças são ensinadas desde cedo a tomarem conhecimento de cada pessoa que contactam, não tendo em conta a idade. Desta forma, aprendem como são valiosos membros contributivos da sociedade, e não apêndices dos pais, ou invisíveis, como parece que são em muitos contextos sociais nos E.U. Quando um mexicano chega ao consultório de um médico, na sala de espera, advogado ou qualquer outra profissão, dá um cumprimento geral a todos os que estão já presentes antes de encontrar um lugar para se sentar. Quando são feitas apresentações, crianças e bebés são incluídos e as mãos são apertadas.
Acredito que é a importância que tem a família e a parte espiritual das vidas dos Mexicanos que faz do México um lugar seguro para se viver e criar crianças. Os meus filhos saltam para cima das suas bicicletas e atravessam a cidade, brincam sem vigilância nos parques, correm à loja da esquina mesmo meia hora depois de ter escurecido. É um alívio, e tão menos complicado e restritivo, saber que eles estarão seguros para explorar e gozar as suas perseguições de criança numa comunidade e nação onde são queridos e protegidos.
Para mim é importante saber que posso honrar e aprender com a cultura antigas, e continuar a honrar a minha pessoa e as minhas raízes. Isto significa em parte não romantizar os indígenas – todas as imagens que tenho partilhado são de facto preciosas e inspiradoras para mim. Tenho escolhido não enfatizar a falta de saneamento, a ignorância, pobreza e fome que são muitas vezes parte do cenário de grupos indígenas que ainda lutam para assimilar atitudes e materiais do séc. XX (plásticos, refrigerantes, etc). Não que não veja estas coisas, mas não são estas coisas que recebo como presentes destas pessoas.
Nota do Editor: Barbara Wishingrad, continua a viver e a criar os seus filhos no México após 12 anos. O Xaile tradicionalmente tecido (rebozo) e as várias maneiras de ser usado para carregar um bebé fascinaram e fizeram-na usar os seus próprios filhos assim e desenvolver o Projecto Educacional e Cultural o modo Rebozo, uma organização internacional dedicada a promover a Educação “em Braços”. Através de uma exposição fotográfica, um vídeo disponível em inglês e espanhol, brochuras sobre Rebozo como usar, historia, e assuntos relacionados, o modo Rebozo tenciona educar e informar os de culturas modernas que estão abertos a receber directrizes das culturas mais antigas, e usá-las no contexto da vida modernizada.

Tradução autorizada pela autora.
Zélia Évora – www.clubedopano.org

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